“QUANDO AS SOMBRAS AMEAÇAM O CAMINHO, A LUZ É MAIS PRECIOSA E MAIS PURA."

(Espírito Emmanuel, in "Paulo e Estêvão", romance por ele ditado a Chico Xavier)

Meus Amigos e blogAmigos!

terça-feira, 25 de outubro de 2011

HOJE, MEUS CINCO ANOS!




Grande é meu júbilo neste dia
Iluminado por demais está o meu céu
Olho o sol brilhando com mais energia
Vejo a Mão divina no pequeno troféu
A dádiva que a mim veio como esperança
Novo tom de aliança em pincel e aquarela
No sublime amor que emana dessa criança
Alegria, paz, e muitos anos de vida para ela!



São os votos versejados do vovô Beto para a princesa Giovanna, neta tão bela!



Fotografia: a neta Giovanna, domingo (24.10), depois de sua linda festa, 
vestida de Branca de Neve, já cabelereira com o presente ganho. 
by acervo pessoal de josé roberto balestra

sábado, 15 de outubro de 2011

O PROGRESSO ANCORA EM PIPEIRAS DE SANTANA


     Pela cara mal lavrada do sujeito, cachimbo no canto da boca e pasta debaixo do braço viram logo que era cobrador do fisco. Reberaldo Carijó saiu em pé de paina e foi botar o trombone na rua:


– Tem cobrador de impostos na praça. Vi quando retirou da maleta um ferrinho contaminado de dentes, coisa de lascar a popa do povinho que não puder arcar com a responsabilidade das pagas. É bom avisar o Major Nequinho Rosa. Ninguém para lidar com o povo do governo como Nequinho Rosa.

Em pronto momento, por um moleque de recados, Nequinho foi avisado. Pelo que já desceu dos confortos de sua invernada soltando azeites. Mais armado do que ele nem uma guerra. Hospedou sua vasta pessoa no Hotel das Famílias. E foi assim, deitado na cama, de botas e esporas, que mandou chamar o cobrador de impostos:

– Quero ter um particular com esse sujeitinho.

Meio murcho, adernado sobre a pasta negra, chegou para ver o Major Nequinho Rosa refestelado na cama e de charuto na boca. Quis tomar cadeira no que foi impedido pelo dedão de palmeira do major:

– Em minhas presenças ninguém senta o rabo para falar. É de pé, sujeitinho! De pé!

Intimou ele que o homenzinho abrisse a pasta de modo a desembuchar de sua entranha o tal ferrinho de marcar gente e mais o bolão de multas recaídas no cangote do educado povo de Pipeiras de Santana:

– Abra essa desgraça, esse ninho de lacraia.

O sujeitinho abriu. E da pasta preta, em lugar de arrogantes papéis do governo e ferrinhos de carimbar popa de cristão, saiu um derrame de giletes. O homem era caixeiro-viajante.

Os aparelhos de fazer barba davam entrada, pela primeira vez, na brava e progressista cidade de Pipeiras de Santana...


*******


Fonte: conto by JOSÉ CÂNDIDO DE CARVALHO (Campos dos Goitacazes, 05.08.1914 – Niterói, lº.08.1989), extraída do seu livro “Um ninho de mafagafes cheio de mafagafinhos” – Livraria José Olympio Editora – Rio – 1972, pp. 48-9  
Escritor contista e romancista, advogado e jornalista, sua obra mais conhecida é o romance “O Coronel e o Lobisomem” (1965), vencedor dos Prêmios: Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro; Coelho Neto, da Academia Brasileira de Letras; Luisa Cláudio de Sousa, do Pen Club do Brasil.

sábado, 8 de outubro de 2011

Sarcide e os cobres dos dentes


OS COBRES DOS DENTES



1962 i’além do mei’-pro-fim. Inda longe do corcovar d’anciania, em quarentanos. Certa paixão desilusa, insucedidos negócios padeirantes em clã-parceria outrora no d’sócio vinham governando doravante vida sua. Pescador-charqueador, coureiro-caçador; virara. Vivendo. Foi. Num só-com-deus-e-eu, sem estofo capitalístico. Ele: Sarcide.

Ribeirinho, sobtelhava lonas, poucas. Palha-d’coco choçados, muitas. Vivia. Ínfimos apetrechos pra d’cozer. Idem do d’vestir, d’calçar e s’lavar. A d’dois-canos-longos, encartuchada. Um ebriático garrafão sempre rolhado; cinco litros pra sarar solidão nos rios. Eremiticamente. Vivia; salvante o esturrar da onça vizinha. Qu’ouvia, mas desvia.

Era manhã, o sol no seu inda-durmo, Sarcide s’ despertou sob lonamente. À rudesconfortável tarimba sentado: orou às almas, fiel. Regou faces d’olhos-azuis. Alinhou entrededos lisos cabelos seus. Fito dilucular rosicler: redes, espinhéis, e a sondá.

Sarcide saiu. Em volt’olhou. Adiante de si, premido em barrancosa parte, despenediado, o sempre-vivaz Ivinhema cobreava desmesurado aos baixos-montes-pés, chuando abstruso e brumoso. Devia ter cachimbado a noite toda; ainda baforava aquel’hora, ocultando Espadinha, seu bote.

Eis que. Em cautelos passos chinelados ombreando um remo-de-pinho e à mão a dois-canos, o bornal noutr’ombro, Sarcide se pôs à trilha que torcia o barrancado pr’água. Desceu. O Espadinha. Aguou os chinelos. Recalçou. Lanternando faroletado, remando foi ter visita aos postos anzóis d’espinhéis, rede de malha-oito, feiticeira, – que a Polícia Florestal sempre procura pra recolher apreendida – e às sondás, em-longe e estreitado paraná, sob avelhantada figueira, árvore de beira.

Apoitando o bote, Sarcide principiou inspeção pela sondá que barulhava esquisito, rabeada, deliciosa d’ouvir.
– Espinhél e a rede vejo depois. O que ’tá pego tá pego.

Cuidadoso toque com o espalmar do remo no esquisito rumoroso, e eis um som duro subindo vibrando no roliço do cabo do remo, até a mão.
– Êita. .. pêxe num é! S’ for, largo a pinga, e d’oje em diante só como jiló... Trêim rúim dimais.

Inopinada nova rabeada aparafusada, veio, e à seca-roupa respingando-s’lh’. Sarcide faroletou:

– Do-papo-amarelo! Jacaré briguento!! Num falei que pêxe num era?...Cumê minha isca, hem? Agora eu é que vô t’. Pra si só, disse Sarcide rindo. Ele, dele.

Içando a cordinha da sondá no assento do bote, pisando-a c’um pé, Sarcide fez o bicho pescoçar fora d’água pra um bom-dia-sô!: um tiro-d’frente no mole do papo e fim-d’festa do cascaburrento de bocaça, e sono-eterno no fundo do bote, sob pés.

Saldo da visitágua: um pintado, cinco corimbatás, uma arraia ferroenta na rede d’-nove. A malha. Dois surubins-pintados e um pacu prateado nos espinhéis. Demais iscas; comidas, sem.
– Tá bão, meu Senhor! Jacaré de trinta quilos dá d’carne vinte... mais a dentaria. A peixarada perfaz o faltante. ’Tá é bão. Vou reiscar com a carne d’arraia tudo de novo. E já! Ô’ivinhemão!

Parara de pitar o rio. D’ volta à casa, d’lona, sol-na-cara, num zum Sarcide eviscerou e charqueou a peixama. Foi ao do-papo-amarelo. Desuniu a cabeça, estirou o salgado cascouro num xis de lânguidas varas. Com chave-de-fenda martelada, faxou um furo na queixada de ferro do rabudo. – Boca-dura, sô! Fincou uma estaca barrancada, beira d’água, lh’amarrando a cachola do jacaré, limpa de couro e carnes. Pinchou n’água do Ivinhema, às piranhas faxineiras; tiraria a carniceira dentaria do-tal. Empós.

Sol d’ mei’dia-e-meia, bife de jacaré, arroz macho, oleoso alhado. Sarcide  deu ebriadas talagadas. Uns toscanejares. Longo cochilado em rude tarimba de fofas aniagens. Sono. Justafluvial sinfonia maestrada pelo canto espantado do quero-quero em sob um gavionar espreitante. Quatr’e-meia. Tardosa. Talagadica, uma. Redespertável. Encanecad’o café-d’mariquinha. Ao terreiro. Sarcide tud’olhava. Só.

E o Ivinhema, sempre outro, passando, chuando peren’e viajante. Um súbito chap de peixe puladiço n’água ali, acolá e mais pra lá. A paz das estrelas e o esturrar da longe-onça. A nov’aurora. Os passos dela no terreiro, marcados. Estiver’ali. Misteriosa para Sarcide, desvira. D'novo, 'tra vez.

O recolher e o afazer co'a cabeça do bicho, mergulhada. Os dele dentes. Eis: com a boca cheia da atada cordinha, próxima da estaca, uma sucuri de palmo-e-meio d’grosso, a engolira. Tod’inteira; s’amarrara no por-dentro seu. Do d’fora s’ via nela o formato cacholado e barrigado do que antes um de-papo-amarelo fora.

– Êita, sô! Duas numa?!! Vô puxá a corda e a sucurona vem d’ arrasto. Depois ensaco e levo pro viveiro d’Antonio Matias Sergipano, pr’ele vendê o couro pra nóis dois.

Pensamento inocente d’ Sarcide: no ao-puxar da cordinha o bicho cinzento-esverdeado, quas’oliva, foi lento tratando d’ desengolir a dura cachola, gosmentamente. Até que. Saiu saída, na cordinha. Ela sucuri s’foi s’ausentando, indo esbarrancando, coleando sucurescafedente como sói d’ser, e enriou de novo. Sumida.

E Sarcide: – Burro véio, sô! Eu sô... Tem nada não. Ficô a cabeça do jacaré qu’eu queria, e ela foi vortá pro seu ofício... Deus-a-olhe. Tudo carece de ter e ser.

Mundificada a cabeça a-corda desembuchada, Sarcide extraiu as dezenas de remontados aligatorídeos dentes.

Passad’uns três e poucos trinta-dias, noutro certo dia, Sarcide levou o denterio caimão pra a cidade. Pensou, pr’uns sobrinhos - dois; um Mais-Novo, um Mais-Velho – vender aqueles dentes de jacaré pra raizeiros feirantes. Na corrutela; Surucuá.

O Mais-Novo já lá, à feira foi, e perguntava mostrando à mão:
– Quer comprar dente-de-jacaré, moço?
E reiterado ouvia, biouvia e triouvia:
– Sai daqui moleque! Não mexo co’essas cois’esquisitas...
O Mais-Velho só via, assistido. Às vezes ria.

Foi a semana. Ida. Veio a outra. Feirando o Mais-Velho, indagava barraca-em-barraca:
– O senhor tem dente-de-jacaré pra vender?
– Num tenho, moço.
– O senhor tem dente...
– Num...
– O senhor tem...

Duas-meia-hora feir’afora: o Mais-Novo, raizeiramente, d’ novo:
– Compra dente-de-jacaré? ... Dois-por-cinco...
– Pra quê serve isso, menino?
– P'a mãe furar e fazer um colarzinho pra pescoço de criança; aí nasce dentinhos sãos, fortes, e num deixa dar dor-de-dente nunca... Simpati’antiga, moço. Sabia? É batata!

Outros raizeiros. Vindo, viam. A conversa do Mais-Novo. E o povo’lhando. O fundo da sacolinha. Nem o cheiro. Os cobres no bolso do Mais-Novo. Tilintaram.

No em-casa, o Tio, o Mais-Novo, e o Mais-Velho:
– ... venderam? E os cobres? A bufunfa, o dinheiro da venda?
– Ara, tio, nós dois já dividimos.
– E a minha parte?, cadê?
– Num sei... cumigo num ’tá. Fala cu'ele aí qu' é Mais-Velho.

Sarcide foi pro quintal, olhou pro céu, pras nuvens. Ficou rindo-se de si por dentro, calado, da marosca ensobrinhada. E cacholou consigo mesmo, mineiramente:

– É... Isso é praga daquele papo-amarelo. Quá sô, tem besta mais não... Perdi a cabeça, os dentes e o couro da sucura. Ô sina!  E d’novo eu no prijuízo. Sempre! Quá, num careço d’mais parceria nessa vida... nem noutra! – Rerriu-se. Só. Na lona, d’novo. Ele, Sarcide.
– ................................................


-o-o-o-o-


Comentário d'A BALESTRA:

Este conto, escrito no início de 2008, foi inspirado em meu saudoso tio Alcides Balestra, sulmineiro monte-santense, padeiro. Dobrado às circunstâncias repentemente se viu pescador-caçador. O Rio Paraná foi sua paixão. Conheceu outros mil rios e matas. Tive a oportunidade e o prazer de ler este conto pra ele, que riu um bocado num fim de dia, com uma (segunda) latinha de cerveja à mão (a pinga, seu quebra-gelo, ele já houvera tomado pra abrir o gogó).  

Tio Alcides, ou “Sarcide” - como eu o chamava carinhosamente -, hoje está completando três anos desde sua morte em 08.10.2008. Deixou-me muitas saudades, das belas viagens que fizemos juntos pelo interior do Paraná e Santa Catarina, das nossas conversas entusiasmadas, das copas mundiais que pela televisão assistíamos, vibrantes, dos natais, dos dias-de-ano... Tio Alcides foi um homem elegante.

Imagens 1 e 3: by arquivo pessoal de José Roberto Balestra
Imagem 2: by Atair - web